A arte de Quake2, por Paul Steed
(Artigo na época publicado na revista Gamer Developer, com o finado Paul Steed relatando os bastidores do desenvolvimento artístico de Quake 2, e postado na internet por DondeQ2, link original no final do artigo)
Como em quase todos os aspectos da empresa, o departamento de arte da id Software funciona em pura sinergia. Ou seja, não existem linhas distintas de responsabilidade real entre nós três artistas (além do fato de que os colegas artistas Kevin Cloud e Adrian Carmack - junto com o programador líder John Carmack - também são donos da empresa) porque trabalhamos juntos tão bem como uma equipe. Claro, cada um de nós tem seus pontos fortes e fracos, mas no final, qualquer um de nós pode fazer qualquer aspecto da arte necessária para o jogo. A força do departamento de arte de três homens da id vem da experiência, trabalho duro e talento. Adrian Carmack, Kevin Cloud e eu (Paul Steed) criamos a arte para QUAKE 2 (e o próximo pacote de missão), e este artigo revela como tudo aconteceu.
Índice:
1- Design de Produção
2- Mapas de Textura de Nível
3- "Skinnização" de Personagens
4- Telas de Visualização, Telas de Opções
5- Modelagem
6- Animação
1) Design de Produção
Nossa equipe inicia o processo de arte com um design de produção sólido e toneladas de esboços. Esta é a base sobre a qual construímos modelos, criamos texturas de mapas ou personagens de skins. Contratamos um artista de design de produção muito bom para ajudar com os conceitos de ambiente para QUAKE 2, mas a maior parte da arte conceitual e design de produção vem de um dos três artistas aqui da id.
Embora tivéssemos que projetar a arte com base em nossas ideias de design de jogos, nosso objetivo principal era simples: “Tornar legal”. Isso resume muito bem a nossa filosofia de design.
"Depois de frequentar 22 escolas públicas diferentes em cinco estados, servindo seu país por seis anos e saltando pela Europa por mais três, Paul Steed aprendeu sozinho a criar arte em um computador na Universidade de Origem (filial de Austin). Depois de quase terminar um curso de 4 anos em criação de modelos de baixo polígono, e animação e técnicas cinematográficas, ele passou um tempo na Iguana Entertainment e Virgin Interactive Entertainment antes de ser recrutado para o "Mt. Olympus" de desenvolvimento de software para PC, id Software. Ele não planeja ir a outro lugar tão cedo."
(Imagem cortesia de Alchetron.com.)
Nossa equipe optou por um visual "sujo, rústico", e de ficção científica para QUAKE 2, então os inimigos são raças bárbaras de malfeitores ostentando uma variedade de próteses cibernéticas. A lógica por trás desse design era que os habitantes de Stroggos (o planeta onde o jogo acontece) não gostam muito de estética e são puramente uma raça guerreira e espartana. Os mocinhos foram projetados com um visual militar futurista. Armas, armaduras e outros aspectos da Coalizão Terráquea do Homem são facilmente reconhecíveis e não muito distantes do design militar e de armas contemporâneo.
Nossa intenção era poupar o jogador do esforço de esticar demais sua imaginação ao ponderar sobre o propósito de um objeto. Isso é uma arma na minha mão, ou é uma máquina de fazer pão?
Visivelmente ausente do design de produção de QUAKE 2 estava qualquer forma de simbolismo demoníaco (como em Quake 1). Isso não se deveu a nenhuma pressão corporativa política ou induzida por editores; era porque não se encaixava no tema do jogo. Se o Strogg tivesse se desenvolvido em uma raça de conquistadores dependentes de magia/submundo, teríamos muitos demônios correndo por aí fazendo atividades do tipo demoníaca. QUAKE 2 é sobre chutar alguns traseiros alienígenas em seu território e garantir a sobrevivência futura da humanidade.
2) Mapas de Textura de Nível
Embora tecnicamente existam "apenas 3 artistas na id", um argumento pode ser feito para incluir os designers de nível (os mapas do jogo) no conjunto de "pushers" (contexto aqui é de "quebra-galho que sabe desenhar", coisa que um designer gráfico faria, como um web designer) de pixel e vértice. Os designers fazem mapas e, para construir o mundo, precisam de bastante material de construção. Usamos um editor interno (criado por John Carmack), que permitiu aos designers de nível pegar nossas texturas e transformá-las em formas geométricas, como paredes, chão, e tetos. Os designers de nível então usaram essas formas para preencher a arquitetura (Figura 1). Chamamos essas formas de “pincéis”.
Normalmente, o processo de entregar aos designers de mapas as texturas que eles precisavam para um mapa era assim: Primeiro, nós artistas criamos uma série de texturas “base” – texturas GENÉRICAS com um certo visual que poderiam ser reutilizadas em diferentes áreas do jogo. Também criamos texturas ESPECÍFICAS para determinadas áreas conforme ditado pelo documento de design, como o conjunto de texturas de tema “minas” ou o conjunto de texturas de tema “fábrica”. Todas as texturas precisavam ser dimensionadas em uma potência de dois (por exemplo, 8 pixels × 8 pixels, 16×16, 32×32, 32×64, 128×128, 128×64 e assim por diante) (Figura 2).
Todas as texturas do jogo em QUAKE 2 foram criadas usando o venerável Deluxe Paint da Electronic Arts, e para algumas animações também usamos o Animator Pro, da Kinetix. Você pode rir da nossa escolha pela Deluxe Paint, pois o programa existe há muito tempo. Mas para manipulação estática de pixels usando uma paleta de 256 cores, realmente não há substituto. Claro, o Photoshop e outros programas projetados para funcionar em cores verdadeiras podem ser usados para fazer ajustes de 256 cores, mas o Deluxe Paint é uma ferramenta valiosa.
A razão pela qual as texturas de QUAKE 2 ficaram tão boas é devido à nossa abordagem desenhada à mão para criá-las. Usando o que chamamos de metodologia de “pixel mais próximo”, garantimos a integridade de cada textura prestando atenção especial à quantidade adequada de anti-aliasing. Às vezes, um efeito pontilhado ou tremido é apropriado, mas simplesmente renderizar uma cena em um pacote 3D e colocá-la em um jogo sem modificar a imagem geralmente resultará em “pixel swim”. Embora massagear uma imagem pixel por pixel seja doloroso e demorado, é um processo necessário. No entanto, à medida que os cartões aceleradores 3D se tornam mais populares (e, em alguns casos, obrigatórios), a interpolação de bitmap resolverá os problemas associados ao pixel swim.
3) "Skinnização" de Personagens
Para skinning ("skinizar", esfolar) nossos personagens (as skins, "peles", são texturas que são projetadas linearmente no modelo de um personagem), tivemos que deformar os quadros de base dos modelos para obter a quantidade máxima de cobertura (um quadro de base sendo um estado de deformação apenas de referência para o geração do mapa de textura) (Figuras 3a e 3b).
Para ajudar os artistas a skinizar personagens, John Carmack escreveu uma ferramenta (em um fim de semana, nada menos) chamada Texpaint, que nos permitiu pintar diretamente em uma malha, bem como a ferramenta MeshPaint da Positron, disponível comercialmente. Texpaint provou ser inestimável.
Embora bastante simples, a ferramenta, no entanto, apresentava capacidade ilimitada de desfazer, mostrava linhas de modelo e textura e nos permitia selecionar qualquer resolução de pixel para a folha de textura. Ele também nos deu a capacidade de gerar uma capa “inicial” multicolorida exclusiva de triângulo para clareza e identificação de possíveis áreas problemáticas (Figura 4a).
O Texpaint então nos ajudaria a levar o modelo de seu estado de moldura base deformado para um objeto polido e acabado (Figura 4c).
À medida que desenhávamos no objeto de extensão ".LBM", as alterações na capa apareciam simultaneamente na página de textura e no próprio objeto com capa. Esse método funcionou especialmente bem quando usamos o Texpaint e o Deluxe Paint em conjunto com o Animator Pro. Nosso processo consistia em marcar certas áreas na pele, usando o Deluxe Paint ou o Animator Pro para refinar essas áreas e, em seguida, recarregar a pele no Texpaint para refinamento adicional.
Todos os artistas da nossa equipe tinham pelo menos dois computadores (um sistema Windows NT e um sistema Windows 95), então usar o Texpaint baseado no Windows NT e o Deluxe Paint baseado no DOS em conjunto não era um problema porque podíamos confiar em nossa rede para transferir os arquivos e em nossos monitores duplos de 21 polegadas para obter feedback instantâneo. Concluídas as texturas, elas foram entregues aos programadores, que as converteram do formato .LBM para .PCX para melhor consumo pela engine do jogo.
Objetos de jogo inanimados, incluindo o modelo de visão da arma (view-weapon) que os personagens usavam, exigiam apenas uma skin, pois esses objetos não mudavam de estado durante o jogo. (Modelo de armas de visão são aquelas que você vê em suas mãos durante o jogo, e modelos de armas do mundo são aquelas que você as pega passando encima, para adicionar ao seu inventário.) Os monstros e personagens dos jogadores, no entanto, exigiam uma pele adicional de “dor” (pain skin) para transmitir isso. A criatura ou jogador foi ferido. Essa textura diferente não era baseada em setor, de forma alguma. Nós apenas trocamos skins inteiras quando os pontos de vida de um personagem atingiam um nível crítico.
4) Telas de Visualização, Telas de Opções
A aparência da tela principal e das telas de opções em QUAKE 2 foi projetada para se adequar ao tema militarista básico do jogo. Escolhemos uma aparência limpa e organizada para a barra de status para simplificar. Quando lançamos Q2test (a versão beta pública de QUAKE 2) na Internet, apresentamos um rosto no canto inferior esquerdo da tela (provavelmente familiar aos jogadores de QUAKE e DOOM) que refletia o estado de dano do personagem e até indicava de onde direção em que o jogador estava sendo atingido.
Infelizmente, como os jogadores podem escolher entre cerca de 30 personagens de deathmatch diferentes (como grunt, major, razor, rampage, do personagem "male"), decidimos que implementar um rosto animado para cada personagem de deathmatch seria muito demorado – decidimos usar a cruz vermelha universal em um fundo branco (Figura 5).
Embora nenhum rosto seja exibido na barra de status durante o jogo, o jogador obtém um snapshot ("foto rápida") do personagem escolhido no menu de configuração do multiplayer (Figura 6).
Um modelo rotativo do personagem escolhido também permite uma leitura casual do modelo e da pele. Embora gostaríamos de usar esses mesmos snapshots na barra de status durante o jogo, não foi possível devido à sua resolução. Os retratos dos personagens no menu de configuração multiplayer são 32×32 pixels; a resolução mais alta possível para qualquer gráfico na barra de status era 24×24. Tudo se resumia ao fato de que as versões 32×32 foram feitas primeiro, não tivemos tempo de fazer versões secundárias delas, e também não sentimos que 24×24 fossem pixels suficientes para fazer justiça às diferentes faces (ficaria muito pequeno). Então optamos pela cruz vermelha.
As telas de visualização e opções do QUAKE 2 foram criadas por último e construídas com funcionalidade e praticidade em mente. Estávamos restritos a essas telas por código que já estava em vigor no jogo anterior. Além disso, enquanto adoraríamos ter todos os tipos de botões animados complicados nos menus front-end, por que fazer o jogador percorrer um labirinto de informações apenas para alterar uma opção? As preocupações com o tempo e a funcionalidade ditaram a interface espartana do QUAKE 2.
5) Modelagem
Basicamente, existem dois tipos de modelos no QUAKE 2: "modelos Alias" e "modelos B". Os modelos Alias foram criados usando o PowerAnimator, da empresa Alias Wavefront, em um SGI (um Indigo 2 Extreme, com 256 MB de RAM), por isso "modelos alias". Modelos B são “modelos de pincel” (brush models, por isso "models B") criados por designers de nível a partir das texturas mencionadas anteriormente. Outra maneira que demos aos designers de material de trabalho para a criação de seus níveis foi na forma de uma ferramenta desenvolvida internamente chamada 3DS2MAP. Esse pequeno utilitário pegou formas não convexas construídas no 3D Studio R4 da Kinetix e as converteu em modelos de brush que podem ser usados nos níveis QUAKE ou QUAKE 2. O 3DS2MAP ajudou a superar algumas das deficiências da ferramenta de desenvolvimento interna dos designers (o QUAKE Editor), como sua incapacidade de criar esferas perfeitas, cúpulas ou formas geomórficas estranhas, como pedregulhos ou rochas (realmente não há pedregulhos no Q1). Tim Willits, o designer-chefe de QUAKE 2, me deu um olhar estranho quando fiz meia dúzia de pedras para ele uma vez em cerca de cinco minutos; ele disse que levaria dias para fazer isso em seu editor.
Modelos de alias foram usados para personagens e objetos no jogo, bem como o modelo de visão e as armas do modelo do mundo. Também usamos modelos Alias para diversos objetos específicos de mapas, como antenas de radar e os naves que passam ocasionalmente. Usamos o 3D Studio R4 para a maior parte da modelagem de caracteres porque, uma vez que os normais são invertidos, os arquivos do 3D Studio R4 podem ser exportados como arquivos .DXF (o formato de arquivo AutoCAD) e facilmente importados para o PowerAnimator.
A contagem de faces dos objetos foi ditada pela doutrina “menos é melhor” (ou seja, seja o mais econômico possível com a contagem de polígonos do modelo). A criação de todos os modelos foi, no entanto, um processo iterativo, e otimizá-los foi uma forma de arte em si. Por exemplo, a Figura 7 mostra uma versão em alta resolução do strogg Gunner que criei para uma capa de revista australiana, junto com a versão do mesmo personagem que apareceu no jogo.
(Continua no próxima postagem)